segunda-feira, 16 de abril de 2012

A generosidade do chefe


O chefe, que nas horas vagas era poeta, decidiu, após 15 anos de escreve-e-reescreve, colocar enfim um ponto final no seu Magnum Opus. Bancou de seu próprio bolso a publicação e distribuiu algumas cópias aos amigos mais íntimos. Num arroubo de generosidade, chamou o secretário e forneceu quatro cópias do Versos Maturados, dizendo:

- Olha, distribui isso pro pessoal... Não consegui mais cópias, então decidam entre vocês um sorteio justo... Ou como brinde por algum feito, se preferirem... O que você acha?

- Ok. Pode deixar. Vou ver com o pessoal.

- Ah! E fica com uma cópia pra você. Sorteia só três. Só não comenta... alguém pode... Né?

- Ah, tá. Obrigado... Sim, sim, claro. Pode deixar.

- Outra coisa. É melhor fazer isso num dia em que eu não esteja. Você sabe... eu fico sem graça por não poder dar uma cópia pra cada... É que são muitos... Você sabe...

- Sei, sim. Pode deixar.

Duas semanas depois, a intuição do chefe suspeitou de algo estranho no ar; resolveu perguntar ao secretário se houve desentendimentos na distribiução dos livros. Pego de surpresa, o outro não conseguiu inventar mentira e disse de uma vez que decidiram por uma corrida. Que ganhariam os livros os três últimos. Entretanto, conseguiu parar a língua aí, sem acrescentar a desnecessária informação de que os três primeiros foram convidados a representar a empresa no atletismo, mas nos treinos jamais conseguiram repetir as façanhas daquele dia.

O chefe, sensível como um poeta, ficou mais pensativo do que irritado e não ousou perguntar ao secretário o que ele fizera com sua cópia. E o secretário, coitado, olhava pro chão e esperava, sem coragem de dizer que gostou dos versos.

Um comentário:

VICIADOS EM CAFÉ disse...

Bom texto, e verdade seja dita, não conheço ninguém confesse gostar de versos hoje em dia (o que é uma vergonha).