quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Porque japoneses são todos iguais?

Retirei o texto abaixo do Jornal da Ciência, onde se encontra a versão integral.

Não, os japoneses não são todos iguais. O que acontece, mostraram agora os cientistas, é que o "software" de reconhecimento facial do cérebro tem as suas limitações, e uma delas é patinar sempre que se depara com um rosto de uma etnia diferente.


Os pesquisadores selecionaram mais de 20 voluntários, metade de Europa e metade da Ásia. Mostraram a eles faces genéricas de orientais e ocidentais. Enquanto isso, observavam a sua atividade cerebral.


Perceberam que os voluntários decoravam com facilidade rostos de gente da mesma etnia que eles. Mas quando um europeu começava a observar faces orientais, logo se perdia e já não sabia dizer se um novo rosto era inédito ou não - e vice-versa.


Ao observar o que estava acontecendo no cérebro do coitado do europeu, perdido tentando lembrar se aquele chinês não era o mesmo que já tinha aparecido lá no começo, os cientistas notaram um significativo aumento na sua atividade neural. [Por outro lado,] um japonês que nunca saiu do seu país, ao desembarcar, digamos, na Alemanha, vai achar todos aqueles loiros muito parecidos e se questionar como é que eles conseguem saber quem é quem no dia-a-dia.


A explicação evolutiva mais simples para esse bug cerebral passa pelo fato de que passear pelo mundo fazendo amigos é coisa recente. Por dezenas de milhares de anos, encontros com etnias diferentes eram muito raros. Só era necessário identificar gente parecida, e o cérebro se moldou para isso.


Roberto Caldara, neurocientista italiano da Universidade de Glasgow (Escócia) e autor do trabalho publicado na revista científica "PNAS", diz que é interessante notar como esse cérebro limitado se adapta às grandes cidades cosmopolitas do presente, com gente de todo tipo nas ruas.


Isso vale, então, diz, para São Paulo: para parar de confundir orientais (e irritá-los chamando, por exemplo, coreano de japonês), é necessário se entrosar socialmente - só passear no bairro da Liberdade não adianta.


Jean Charles foi vítima do "bug", diz o cientista:


Roberto Caldara diz que a dificuldade para reconhecer gente de outras etnias pode ter "consequências dramáticas". Ele cita o exemplo do estudante brasileiro Jean Charles de Menezes. Ele levou, em 2005, sete tiros da polícia da Londres no Metrô da cidade, antes que pudesse falar alguma coisa.


(Eu acho que a polícia foi vítima do "bug". Jean Charles foi vítima da estupidez! Bom, voltemos ao texto:)


Ainda existem dúvidas na área de estudo de Caldara, porém. Provavelmente os resultados encontrados se repetiriam com outras etnias (negros, por exemplo), mas é necessário testar.


Além disso, os pesquisadores acham que pode ser interessante estudar como o cérebro reage quando exposto a faces mestiças. "Queremos saber exatamente também onde e como isso tudo acontece no cérebro", diz o cientista.


(Ricardo Mioto)

(também publicado em Folha de SP, 2/11)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Influência indireta positiva

Li no Diário de S. Paulo: Em quase todo o tempo livre entre as partidas, as jogadoras são vistas com um livro na mão. O hábito foi difundido pelo técnico José Roberto Guimarães, que aposta até na melhora do rendimento do time em função da nova mania.

... compartilho aqui a reportagem porque achei um modo bem legal de incutir o hábito da leitura. Melhor ainda porque é bem indireto, como devem ser todas as influências que se deseja estabelecer de modo duradouro (bem melhor do que colocar um intelectualóide na novela da Globo, com conversas forçadas sobre a importância dos livros).

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Enfim, uma divergência...

Uma coisa que eu acho complicada em política é que não votamos de fato nas propostas. Votamos no caráter, e isso é muito difícil de julgar. Usamos nossos preconceitos e a intuição, muito mais do que de fato o pensamento. Se os candidatos tivessem visões opostas, poderíamos usar nosso conhecimento de mundo para decidir como gostaríamos que fosse, e caberia a eles, nos debates, argumentar que o seu modelo é melhor.

Mas não é isso que em geral acontece. Se tomarmos cada um dos planos de governo, veremos que são todos bons. Não há uma divergência clara. Se perguntados sobre universidades, todos concordam que vão investir lá. Nenhum se atreve a dizer, por exemplo, que cuidarão mais do ensino básico, pois assim arriscam perder uma parte do eleitorado que acredita no ensino superior. Não se colocam explicitamente a favor ou contra algo concreto, como o aborto, ou células-tronco, ou pena de morte, por exemplo. (Se o fazem, é só quando a imensa maioria dos eleitores comprovadamente concordam... e nesse caso, todos os candidatos são explicitamente a favor ou contra a mesma coisa).

Assim, quando votamos, o que estamos tentando fazer é acertar quem diz a verdade e quem mente. Analisamos as propostas não buscando descobrir qual a melhor. Buscamos qual parece mais verossímil. São todas boas, disso dificilmente se discorda. Assistimos aos debates para ver quem tem mais segurança, quem tem respostas melhores, quem tem a ficha limpa, enfim, quem é digno de nossa confiança. Não tentam nos convencer de que ensino básico é mais importante do que o superior, ou vice-versa. Dizem nos debates que tudo é importante, não escapa nada. Quando analisamos o passado dos candidatos, é para saber mais sobre seu caráter. E nos ataques, é a credibilidade que atacam e não o plano de governo.

E é por esse motivo que achei legal o artigo que transcrevo abaixo, parcialmente. A íntegra pode ser lida no Jornal da Ciência.

Dilma defende profissionalização integrada ao ensino médio regular; Serra propõe curso puramente técnico.

Tanto Dilma Rousseff (PT) quanto José Serra (PSDB) defendem a multiplicação do ensino profissionalizante. Ela promete abrir escolas técnicas nas cidades com mais de 50 mil habitantes. E ele, criar 1 milhão de vagas.


Uma maravilha... E quem dirá que um ou outro tem um plano ruim? Digam-me se não são ambas as propostas maravilhosas... Bom, voltamos ao texto, que diz


Embora pareçam concordar plenamente nesse ponto, Dilma e Serra em nenhum momento avisaram ao eleitor que suas concepções de ensino técnico são bem diferentes, quase opostas.


Viram só!? É justamente o que eu disse, não? Quando de fato há uma divergência clara, escondem... Hehehe, desculpem a interrupção: quando o assunto é política, interromper o outro que fala é compulsivo....


Ela propõe que a escola tenha cursos técnicos misturados com o ensino médio (antigo 2º grau). O aluno faz um só curso e tem dois diplomas. Ele defende que a escola tenha exclusivamente cursos técnicos. Para entrar, o aluno deve já ter concluído ou ao menos estar cursando (em outra escola) o ensino médio.


Dilma se espelha nas escolas técnicas federais. Serra, nas estaduais de São Paulo. Especialistas em educação encontram vantagens e desvantagens em cada modelo.


"Não é um mero treinamento de habilidades. O aluno aprende [no médio] as bases científicas e epistemológicas do conhecimento [técnico]. Não é só fazer; é pensar. É uma formação mais completa", diz Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da UnB.


Por outro lado, a escola técnica do PT tem mais dificuldade para atualizar seus currículos. Qualquer mudança exige adaptações também na grade do ensino médio.


O modelo de Serra é mais barato. Uma vez que não há ensino médio e os cursos são rápidos (um ano e meio, ante os quatro anos do ensino integrado), é preciso ter menos professores e salas de aula. A expansão é mais fácil.


Entretanto, a falta do ensino médio integrado obriga os jovens que não têm diploma médio a fazer dupla jornada: no colégio de manhã e na escola técnica à tarde.


"O modelo de SP tem preocupação excessiva com reduzir custos. A formação do estudante é aligeirada. Os professores não conseguem desenvolver bem seus programas", diz Maria Sylvia Bueno, professora da Unesp e organizadora de um livro sobre as escolas técnicas de SP.

PT menciona qualidade, e PSDB, pobres

(Ricardo Westin)

(Folha de SP, 11/10)



... Eu cortei um bocado o texto, e não diria que busquei imparcialidade no processo. Mas leiam a reportagem na íntegra, na fonte que eu dei. Com isso, se pode tirar conclusões além do julgamento de caráter...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

O Dia Em Que Paulo Coelho Chorou

(O texto a seguir foi publicado online no Digestivo Cultural, e é de autoria de Domingos Pellegrini)

...fui entrevistá-lo graças a sua própria decadência, seus livros vendiam cada vez menos e alguns nem eram mais publicados. Por que, Paulo, perguntei, e ele: sei eu?! Só aceitei te dar entrevista, falou, porque você me enviou aquele artigo falando bem de minha obra há anos. Na verdade, falei, no artigo apenas digo que você levou muita paulada por despeito e preconceito, de uma imprensa que, por exemplo, nem se digna a divulgar livros infanto-juvenis e discrimina a autoajuda, enquanto é também cega para a carência ética na literatura, embora cobre ética dos políticos.

Pois é, disse ele, você falou mal até de Machado... E esclareci que apenas apontei ser o "grande gênio" um grande monstro ético, conforme Manuel Bandeira, e um maçante, conforme Millôr Fernandes; conforme eu mesmo, um escravagista, elitista, machista e cultuador de vigaristas, como seus protagonistas Brás Cubas e Bentinho. E os mesmos que não enxergam as monstruosidades de Machado, falei, malharam você por focar gente boa fazendo coisas boas e querendo melhorar. Ele sorriu, e continuou sorrindo enquanto falei que sua literatura centra-se na ética, Paulo, e a ética, para a intelectualidade brasileira, como para os políticos, é só para discurso.

Bem, ele falou, vamos à entrevista, e seu sorriso morreu quando fiz a primeira pergunta: no Diário de um mago, há um trecho em que o protagonista se exercita andando em câmera lentíssima, o que é um exercício antigo de teatro, e, em O alquimista, também há passagens que parecem literatura árabe requentada. Vários outros livros seus, continuei, partem de textos ou vivências alheias, o que parece fazer de você mais um recriador que um criador, não? Não sei, ele respondeu, depois de ficar tempo olhando através de mim. Acho que sim, emendou, daí me encarando como se fosse falar mais alguma coisa, mas não falou, como se aceitando o que falei.

Fiz a segunda pergunta esperando resposta menos monossilábica: como o desgaste de tudo é inevitável e a seleção é natural, quais os livros seus que ficarão? Você já citou dois, ele falou, e o terceiro... não sei. O Monte Cinco é que não será, falei, aquilo é uma grossa chatice. Ele sorriu triste, depois disse é, eu não escreveria de novo muito do que escrevi. Arrependido, então?, falei, e ele disse não, arrependido não, porque escrevi sempre com o coração. Mas então o que mudou, perguntei, o coração? A visão, ele falou, e eu falei eis Paulo Coelho, sempre manejando conceitos de autoajuda, imperdoável para quem acha autoajuda coisa apenas comercial.

Mas as parábolas de Jesus são autoajuda, falei, e ele emendou: o Alcorãotambém, e Confúcio; e Esopo, acrescentei, e ele acrescentou os Irmãos Grimm, e La Fontaine, e todas as autobiografias, pois o que o sujeito pretende ao escrever a própria vida, senão entender-se e ajudar os outros a entender a vida? Muitos também escrevem por vaidade, para se verem no papel como num espelho, pensei mas não falei; e ele como que adivinhou, faiscando o olhar antes de dizer: terceira pergunta?

A imprensa, falei, separou ficção de autoajuda, nas listas de livros mais vendidos, porque senão a lista ficaria apenas de autoajuda. A mesma imprensa que quer vender mais suas próprias revistas e jornais não aceita que um setor livreiro venda mais que o outro. E, de vez em quando, canaliza essa raiva contra um Augusto Cury da vida, como fez também com Paulo Coelho. Mas se quiser aumentar suas vendas, a imprensa não teria de entender e atender a essa gente cultuadora de Curys e Coelhos?

Paulo Coelho ficou me olhando e finalmente disse que a resposta já estava na pergunta. Quarta pergunta, comandou. Perguntei: já leu Paulo Setúbal? Quem? Paulo Setúbal, falei, foi o autor mais lido no começo do século passado, também foi da Academia, suas obras completas foram publicadas em capa dura, mas hoje quase ninguém mais lê. No megasebo Estante Virtual, Paulo, você tem dez vezes mais livros que ele. Ele de novo ficou olhando através de mim, até dizer bom, peguei o ponto, mas... não ficou nada do Paulo Setúbal?

Uma música com letra dele, falei, foi tema de novela da Globo. É, ele falou, de tudo fica um pouco, né, como disse o poeta. Que poeta, perguntei brincando, e rimos. Daí ele perguntou se eu aceitava tomar um rosé em vez de tinto, porque, com a idade, estava voltando a tomar rosé como na juventude... e concordei, pensando na palavra concordar, que vem de cordis, coração, e assim, já sem pensar no passado nem tentando antever o futuro, bebemos o momento, até que, de repente, ele lacrimejou, enxugou os olhos com os dedos, daí explicou que estava pensando em Paulo... Setúbal.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Cientistas não conhecem Shakespeare; Humanistas não conhecem Termodinâmica

Gostaria de publicar aqui trechos de um artigo escrito por João Moreira Salles (documentarista e professor da PUC-Rio). O artigo publicado na "Folha de SP", em 07 de junho, acho que no caderno "Ilustríssima", e pode ser lido online na íntegra na edição de 8 de junho do Jornal da Ciência, sob o título "Um documentarista se dirige a cientistas", ou no site da Academia Brasileira de Ciências, onde Salles discursou. O texto é principalmente uma crítica à sociedade brasileira que supervaloriza as artes e a desvalorização das ciências exatas. Para a maioria, são considerados 'intelectuais' os jornalistas, cineastas e sociólogos, enquanto as ciências exatas amargam uma posição sem status e até mesmo marginal.

Abaixo, o que considerei mais interessante do artigo aparece editado e grifado por mim. Por ser um texto muito bom, não pude cortar muito, mas consegui, a grandes custos, reduzir um pouco para abreviá-lo.

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Sou ligado ao cinema documental e, mais recentemente, ao jornalismo, atividades que, se não são propriamente artísticas, decerto existem na fronteira da criação. Jornalismo não é literatura nem documentário é cinema de ficção. Nosso capital simbólico é muito menor e nosso horizonte de possibilidades é limitado pelos constrangimentos do mundo concreto.


Não podemos voar tanto, e essa é a primeira razão pela qual, com notáveis exceções, o que produzimos é efêmero, sem grande chance de permanência. Não obstante, é fato que minhas afinidades pessoais e profissionais estão muito mais próximas de um livro ou de um filme do que de uma equação diferencial.


Em 1959, o físico e escritor inglês C.P. Snow deu uma palestra sobre a relação entre as ciências e as humanidades. Snow observou que a vida intelectual do Ocidente havia se partido ao meio.


De um lado, o mundo dos cientistas; do outro, a comunidade dos homens de letras, representada por indivíduos comumente chamados de intelectuais, (um termo sequestrado pelas humanidades e pelas ciências sociais, segundo Snow).


Aos artistas, interessaria refletir sobre a precariedade da condição humana e sobre o drama do indivíduo no mundo. O interesse dos cientistas, por sua vez, seria decifrar os segredos do mundo natural e, se possível, fazer as coisas funcionarem. Como frequentemente obtinham sucesso, não viam nenhum despropósito na noção de progresso.


Na qualidade de cientista e homem de letras, Snow se movia pelos dois mundos, cumprindo um trajeto que se tornava cada vez mais penoso e solitário. Ele concluiu que a falta de diálogo fazia mais do que partir o mundo em dois. A especialização criava novos subgrupos, gerando células cada vez menores que preferiam conversar apenas entre si.


Seria um desperdício não haver comunicação com com matemáticos, por exemplo, pois a matemática, para além dos seus usos, é guiada por um componente estético, por um conceito de beleza e de elegância que a maioria das pessoas desconhece.


O que move os grandes matemáticos e os grandes artistas, desconfio, é um sentimento muito semelhante de síntese e ordem. Os dois grupos teriam muito a dizer um ao outro, mas, até onde sei, quase não se falam. (No passado, o poeta Paul Valéry deu conferências para matemáticos e o matemático Henri Poincaré falou para poetas.)


Segundo Snow, com a notável exceção da música, não há muito espaço para as artes na cultura científica: "Discos. Algumas fotografias coloridas. O ouvido, às vezes o olho. Poucos livros, quase nenhuma poesia."


Talvez seja exagero, não saberia dizer. Posso falar com mais propriedade sobre a outra parcela do mundo, e concordo quando ele diz que, de maneira geral, as humanidades se atêm a um conceito estreito de cultura, que não inclui a ciência.


Os artistas e boa parte dos cientistas sociais são quase sempre cegos a uma extensa gama do conhecimento. Numa passagem famosa de sua palestra, Snow conta o seguinte: "Já me aconteceu muitas vezes de estar com pessoas que, pelos padrões da cultura tradicional, são consideradas altamente instruídas. Essas pessoas muitas vezes têm prazer em expressar seu espanto diante da ignorância dos cientistas. De vez em quando, resolvo provocar e pergunto se alguma delas saberia dizer qual é a segunda lei da termodinâmica. A resposta é sempre fria - e sempre negativa. No entanto, essa pergunta é basicamente o equivalente científico de 'Você já leu Shakespeare?'. Hoje, acho que se eu propusesse uma questão ainda mais simples - por exemplo: 'Defina o que você quer dizer quando fala em 'massa' ou 'aceleração'', o equivalente científico de 'Você é alfabetizado?' -, talvez apenas uma em cada dez pessoas altamente instruídas acharia que estávamos falando a mesma língua".


O que eu teria a dizer sobre ciência fica perto do zero. Por outro lado, como especialista na minha própria ignorância, posso discorrer sobre ela sem embaraços. Com as devidas ressalvas às exceções que devem existir por aí, estendo minha ignorância a todo um grupo de pessoas e me pergunto de quem seria a responsabilidade por sabermos tão pouco sobre as leis que regem o que nos cerca.


As respostas são previsíveis. Em parte, a responsabilidade é dos próprios cientistas, que não fazem questão de se comunicar com a comunidade não-científica; em parte é dos governos, que raramente têm uma política eficaz de promoção da ciência nas escolas; e em parte - e essa é a parte que mais me interessa- é nossa, das humanidades, que tomamos as ciências como um objeto estranho, alheio a tudo o que nos diz respeito.


A quase totalidade dos personagens de classe média da literatura e do cinema brasileiro contemporâneos pertence ao mundo dos artistas e intelectuais. São jornalistas, escritores (geralmente em crise e com bloqueio), professores (quase sempre de história, filosofia ou letras), antropólogos, viajantes (à deriva), cineastas, atores, gente de TV ou filósofos de botequim. Quando muito, um empresário aqui, um advogado acolá. Cientistas são pouquíssimos, se bem que no momento não me lembro de nenhum.


--> [LIB: Uma exceção que me ocorre agora é o filme O Maior Amor do Mundo, de Cacá Diegues, mas ainda que achássemos outras 10, sequer arranharíamos o argumento de Salles!]

É como se, do lado de fora das disciplinas criativas, não houvesse redenção. Em "Cidade de Deus", o menino escapa do ciclo de violência quando recebe uma máquina fotográfica e vira fotógrafo. Não parece ocorrer a ninguém -nem aos personagens, nem ao público- a possibilidade de ele virar biólogo, meteorologista ou mesmo técnico em ciência.


Uma das minhas obsessões é folhear a revista dominical do jornal "O Globo". Existe ali uma seção na qual eles abordam jovens descolados na saída da praia, de cinemas, lojas e livrarias, para conferir o que andam vestindo. No pé da imagem, informa-se o nome e a profissão da pessoa.


Acompanho essas páginas há um bom tempo, e estatisticamente o resultado é assombroso. Conto nos dedos o número de engenheiros, médicos ou biólogos que vi passar por ali. Eles não podem ser tão malvestidos assim. De duas, uma: ou são relativamente poucos, ou a revista prefere destacar as profissões que considera mais charmosas.


As duas alternativas são muito ruins, mas a segunda me incomoda particularmente, pois sei por experiência como é poderosa a atração exercida por algumas profissões com alto cachê simbólico.


Existem no Rio quatro universidades que oferecem cursos de cinema; no Brasil, são ao todo 28, segundo o Cadastro da Educação Superior do MEC. No ano passado, a PUC-Rio formou três físicos, dois matemáticos e 27 bacharéis em cinema.


Existem 128 cursos superiores de moda no Brasil. Em 2008, segundo o INEP, o país formou 1.114 físicos, 1.972 matemáticos e 2.066 modistas. Alimento o pesadelo de que, em alguns anos, os aviões não decolarão, mas todos nós seremos muito elegantes.


Segundo dados de um relatório do IEDI, a taxa de formação de engenheiros no Brasil é inferior à da China, da Índia e da Rússia, países emergentes com os quais competimos.


Compramos coisas que foram pensadas lá longe, as quais serão brevemente superadas por outras coisas que também não terão sido pensadas aqui. É um processo estéril. Escritores, cineastas e editores de suplementos dominicais se espantariam em saber que, na China, a proficiência em matemática desfruta de uma forte valorização simbólica.


Na Índia, um jovem programador de software se sente no topo do mundo.


Enquanto isso, como lembra o matemático César Camacho, diretor do IMPA, várias universidades brasileiras têm vagas abertas para professores de matemática, não preenchidas por falta de candidatos. A valorização das ciências entre nós é pífia. Sempre me espanto com a presença cada vez maior de projetos sociais que levam dança, música, teatro e cinema a lugares onde falta quase tudo.


Nenhuma objeção, mas é o caso de perguntar por que somente a arte teria poderes civilizatórios. Ninguém pensa em levar a esses jovens um telescópio ou um laboratório de química ou biologia? Centenas de estudantes universitários gostariam de participar de iniciativas assim.


É imprudente tomar uma decisão definitiva aos 18 anos de idade, mas é exatamente o que têm de fazer os alunos ao entrar na universidade - embora, como norma, eles não saibam para o que têm vocação.


Se em algum momento a vocação se manifesta, em geral o aluno e sua família consideram que é tarde. Circunstâncias econômicas ou psicológicas dificultam muito um ajuste de rota. (Começar de novo exige determinação férrea... Sei bem como é, porque foi o meu caso.)


É absolutamente certo que, neste momento, alguns milhares de jovens estão prestes a cometer o mesmo equívoco.


Muitos se revelarão apenas medianos ou preguiçosos, e é provável que a ciência não tenha como alcançá-los. Sem desmerecer os excelentes alunos de cinema, letras ou sociologia, é impossível negar que, para alguém sem grande talento ou dedicação, será sempre mais fácil ser medíocre num curso de humanas do que num de exatas.


Alguns desses jovens sem orientação provavelmente terão inclinação para as ciências e ainda não descobriram. É preciso criar mecanismos que os ajudem a escolher o caminho certo. Infelizmente, as artes e as humanidades, pelo menos por enquanto, não colaboram muito. Ao contrário. Nós disputamos esses jovens e, infelizmente, até aqui estamos ganhando a guerra.

terça-feira, 15 de junho de 2010

O Sonhador

- Às vezes penso que sonhar dói
pois construo sonhos com esmero,
e logo vem a realidade, e os destrói.
Quero estar errado, é o que espero...
Eu tento pensar que sonhar faz bem,
mas logo penso: "só não sei a quem...
pra mim, definitivamente não e não,
já que meus sonhos nunca se realizarão!"

- Ora, mas deixe de agouro
pois pra você virá o tesouro.
Basta ter muita fé em Deus
e se realizarão os sonhos teus!

- Talvez. Pensando bem, nem tudo é ruim...
De fato, pelo menos a minha princesa,
com quem tanto sonhei, é real, enfim.
(Tomara que não acabe em tristeza!)

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Uma observação trivial

Fazer uma observação trivial é um modo de buscar a concórdia. Concluir o óbvio, portanto, não implica necessariamente uma incapacidade de pensar profundo, mas tão-somente um medo atroz de ser julgado.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Investimento privado em pesquisa

Há uma preocupação natural com crescimento das universidades privadas: Elas 'consomem' profissionais com formação em ciência básica, mas não contribui para formá-los. Universidades privadas geralmente não têm cursos de biologia, física, matemática ou química, de modo que o aumento do número de pessoas com nível superior no Brasil não seria acompanhado com um aumento no nível da pesquisa científica desenvolvida aqui.

Mas tem uma proposta interessante. Obrigar as universidades privadas a 'doarem' parte do seu lucro para uma fundação de fomento à pesquisa. Vi essa notícia no Jornal da Ciência e transcrevo aqui uma parte do texto:
Projeto de Lei do Senado obriga as instituições de ensino superior privadas a constituir a Fundação de Pesquisa Universitária, destinada a promover o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas

De acordo com a proposta original, do senador Hélio Costa (PMDB-MG), a fundação seria mantida com contribuição oriunda de 2% do faturamento bruto das universidades, faculdades e institutos de educação superior e 3% do faturamento bruto dos centros universitários.


[...] a fundação teria sede em Brasília, mas poderia manter centros de pesquisa em qualquer parte do território nacional. A Fundação de Pesquisa Universitária deveria, ainda, destinar recursos para entidades públicas ou privadas de fomento à pesquisa científica e tecnológica e atuar na formação e aperfeiçoamento de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, além de prestar serviços de natureza tecnológica a instituições privadas ou públicas.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Crítica à Marcelo Gleiser

Em terra de cego, quem tem um olho é rei. Acho que o sucesso que o Marcelo Gleiser faz por aqui como divulgador científico tem a ver com não haver no Brasil uma divulgação científica de alto nível (DEFINIÇÃO: Alto nível = Sagan, Asimov, Penrose, ...).

Li e gostei muito d'A Dança do Universo. Depois que li outros livros, pecebi que os exemplos que ele dá estão em qualquer livro, que não há ali nenhum ponto de vista, nada de novo. Como escritor, ele é tão competente quanto um tradutor (quer dizer: tem lá seu talento, é claro, mas não é propriamente um autor). O prazer que me deu a leitura se explica pela minha ignorância. Suporte para essa idéia é eu ter lido anos depois O Fim Da Terra E Do Céu, Cartas A Um Jovem Cientista, e parte dos Retalhos Cósmicos... Tentei ler as colunas na Folha também, mas me entediei logo: tudo lugar-comum.

Mas eu gosto do trabalho dele. Faz algo que deve ser feito no Brasil. Quando eu pensei em ser físico aos 14 anos de idade, me preocupava a idéia de que o único físico vivo que eu conhecia era o Stephen Hawking. Eu não sabia o que os físicos faziam. Tinha a impressão de que não havia físicos no Brasil. Talvez hoje, os programas do Fantástico que o Marcelo fez ajude alguém a pelo menos saber que há pesquisas sendo feitas hoje. Até que apareça algo melhor, o Marcelo Gleiser faz um excelente trabalho aqui...

... aqui, só aqui!

Por aí pelo mundo, não há muito espaço para os lugares-comuns. Não vi o novo livro dele, mas li reportagens sobre o assunto, declarando a tese principal, a de que talvez não exista uma Teoria Unificada e que talvez esta busca esteja fadada ao fracasso. (Aliás, pelas resenhas, supus que não havia idéia nova: o que ele afirma parece basicamente idêntico ao que Lee Smolin afirma na sua crítica à teoria de cordas.... mas eu de fato não sei, é só um preconceito!)

Como disse, eu não li o livro, de modo que não posso mesmo falar sobre isso. Mas escrevi esta postagem para dar este link aqui. É uma crítica feroz de Lubos Motl ao livro (e ao próprio Marcelo, que tem suas publicações analisadas por Lubos, o que resulta em um comentário maldoso: "O cara é um idiota. É um exemplo da fábula 'A Raposa E As Uvas', em que uma raposa tenta pegar três uvas, falha, e decide que as uvas eram azedas. Gleiser afirma que tendo ele próprio fracassado como um indivíduo, toda a física deve fracassar também.").

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Melô do recém-doutor

(Loteria da Babilônia - Raul Seixas/Paulo Coelho)

Você tem as respostas
Das perguntas
Resolveu as equações
Que não sabia [...]

Tudo o que tinha
Que ser chorado
Já foi chorado
Você já cumpriu
Os doze trabalhos [...]

Mas o que você
Não sabe por inteiro
É como ganhar dinheiro [...]

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Abusurdos me fariam feliz...

Fazer um desenho nas costas da mão
Despir a consciência das dores morais
...
Viajar sob a lua que varre os sertões
Uma ostra chilena, um beijo em Paris
Se cortasse o cabelo e mudasse o nariz
Se Vital escrevesse a constituição
Se eu nunca quisesse quem nunca me quis
Ser dois e ser dez e ainda ser um
Se a vingança apagasse a dor que eu senti
Ser seco, ser reto, isento à moral
Se eu nunca lembrasse o estrago que eu fiz
Tudo isso me faria feliz
Absurdos me fariam feliz!
...

* (Bi Ribeiro/Herbert Vianna)

sexta-feira, 19 de março de 2010

Internet Banda Larga pode custar menos do que R$ 35,00

O governo quer criar um programa que garanta acesso à internet banda larga com preços acessíveis, afirmou nesta quinta-feira (18/3) o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, [...]. De acordo com ele, estão sendo discutidos preços na faixa de R$ 25 a R$ 35 por mês.[...] O ministro também afirmou que a utilização da cabos de eletricidade está sendo testada pelas distribuidoras de energia elétrica e pode ser mais uma opção de acesso à banda larga com preço menor.[...] Para o ministro, o Plano de Banda Larga, que está sendo elaborado pelo governo, deve ser aprovado pelo Congresso Nacional com rapidez.


P.S. Leia mais no Jornal da Ciência nº 3971, de 18 de Março de 2010, de onde este trecho foi copiado ipsis litteris.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Poeta

Gosta de poesia? O rapaz não entendeu a frase e virou-se pra pedir pra repetir, mas quando viu o poeta com o braço estendido e um papel na mão, fez um gesto negativo com a cabeça e seguiu seu caminho.

Gosta de poesia? Outro rapaz passou como se nada tivesse ouvido.

Gosta de poesia? Uma das duas moças que passavam rindo pegou o folheto que o poeta sacudia à sua frente e seguiu seu caminho, mas o homem apressou-se e elevou a voz. Só peço uma colaboração. A moça voltou dois passos e devolveu o folheto e pôs no rosto um sorriso desajeitado, moveu a cabeça de um lado para o outro e segiu com a amiga. Voltaram a rir depois de sete passos.

Gosta de poesia? A moça espantou-se com a abordagem súbita e virou-se para ver do que se tratava. Ergueu a mão aberta e a deixou parada no ar, indicando para ele parar o quer que estivesse fazendo. Voltou a caminhar na direção que seguia antes da perturbação.

Gosta de poesia? O rapaz pegou o folhetim e tencionava seguir. Mas o poeta o parou tocando lhe o ombro levemente. Só peço uma colaboração. O rapaz entregou o folhetim à moça que o acompanhava e tirou da carteira umas moedas, que entregou ao pedinte.

Poesia? Gosta de poesia? ...

Em cinquenta minutos o homem tinha conseguido apenas umas moedas que somavam menos de R$ 1,00. Haveria ali poesia?

Dizem que o dinheiro muda as pessoas. A falta, também. E, se mudamos com ou sem, nomear e classificar os agentes da mudança parece um mero exercício fútil que nos propomos para ocupar a mente.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

A sinceridade é uma virtude?

A sinceridade ao falar de si só é reconhecida como virtude no homem medíocre. Naquele melhor do que a maioria, a sinceridade é tomada por arrogância; e no homem ruim, essa mesma sinceridade não é nada mais do que sem-vergonhice.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O Médico e o Monstro

Recomendo o último capítulo do Dr. Jekyll and Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson... Não que o resto do livro não seja bom, mas é que sendo uma história muito conhecida, o mistério que se constrói ao longo do livro não cativa, já que sabemos a solução desde o início. Por outro lado, o último capítulo é praticamente um ensaio sobre a natureza humana e vale a pena ser lido, mesmo que já se conheça a trama.... aliás, se alguém ainda não conhece a solução do mistério, sugiro que leia logo o livro antes que alguma reportagem, filme ou conversa de bar estrague o prazer desta leitura! E, novamente: Mesmo que já conheça a história por outros meios, não deixe de ler o último capítulo, que não demora nada e juro que não há inconvenientes em começar a leitura neste ponto!