terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sobre quem não fala bobagem

O sujeito que não fala bobagem é como aquele que não defeca. Este, com prisão de ventre, é de mau-humor doente, o que em nada é diferente da prisão da mente, que tem aquele outro demente.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O Casamento do Diabo

Achei graça neste poema do Machado de Assis [1, 2, 3]:

SATÃ teve um dia a idéia

De casar. Que original!

Queria mulher não feia,

Virgem corpo, alma leal.


Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.


Resolvido no projeto,

Para vê-lo realizar,

Quis procurar objeto

Próprio do seu paladar.


Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.


Cortou unhas, cortou rabo,

Cortou as pontas, e após

Saiu o nosso diabo

Como o herói dos heróis.


Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.


Casar era a sua dita;

Correu por terra e por mar,

Encontrou mulher bonita

E tratou de a requestar.


Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.


Ele quis, ela queria,

Puseram mão sobre mão,

E na melhor harmonia

Verificou-se a união.


Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.


Passou-se um ano, e ao diabo,

Não lhe cresceram por fim,

Nem as unhas, nem o rabo...

Mas as pontas, essas sim.


Toma um conselho de amigo,

Não te cases, Belzebu;

Que a mulher, como ser humano,

É mais fina do que tu.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Oppenheimer recomenda Feynman

Enquanto liderava o Projeto Manhattan, Robert Oppenheimer escreveu a seguinte carta, recomendando Richard Feynman para a Universidade de Berkeley:
CONFIDENCIAL

4 de Novembro de 1943

Professor R. T. Birge
Chairman, Department of Physics
University of California
Berkeley, California

Querido Professor Birge:

Nestes tempos de Guerra não é sempre possível pensar construtivamente sobre a paz a seguir, até mesmo em coisas relativamente simples como a prosperidade do nosso departamento. Eu gostaria de fazer ao senhor uma sugestão que está relacionada a isso, e na qual eu mesmo tenho muita segurança e forte convicção.

Como o senhor sabe, nós temos muitos físicos aqui, e eu encontrei alguns jovens cujas qualidades eu nunca havia visto antes. Dentre estes, há um que em todos os aspectos é tão superior e tão claramente reconhecido como tal, que acho apropriado trazer o nome dele ao seu conhecimento, com um urgente pedido que o considere para uma posição no departamento tão cedo quanto possível. O senhor talvez recorde seu nome porque ele uma vez se candidatou para uma bolsa em Berkeley: seu nome é Richard Feynman. Ele é de longe o mais brilhante dos jovens físicos daqui, e todos sabem disso. Ele é um homem de caráter e personalidade absolutamente envolventes, extremamente claro, extremamente normal em todos os sentidos, e um excelente professor com uma entusiasmada intuição para a física em todos os seus aspectos. Ele mantem a melhor relação possível com ambos os grupos: o dos teóricos, do qual ele faz parte; e o dos experimentais, com o qual ele trabalha em estreita harmonia.

A razão para falar sobre ele ao senhor agora é que sua excelência é tão bem conhecida, tanto em Princenton onde ele trabalhou antes de vir para cá, quanto a um considerável número de "altos-escalões" neste projeto, que a ele já se ofereceu uma posição para o período pós-guerra, e certamente oferecerão outras. Eu sinto que ele seria um grande reforço para o nosso departamento, unindo sua didática, sua pesquisa e seus aspectos teóricos e experimentais. Posso citar duas frases ditas por homens que trabalharam com ele. Bethe disse que preferiria perder quaisquer dois homens em sua equipe a perder Feynman, e Wigner disse: "Ele é um segundo Dirac, só que desta vez humano."

É claro que deve haver muita gente aqui cuja recomendação o senhor possa querer; por exemplo, os Professores Brode e McMillan. Espero que o senhor não se incomode com minha sugestão sobre este assunto, mas eu sinto que se a seguirmos, todos seremos no futuro muito felizes e orgulhosos por isso. Eu não poderia enfatizar mais as extraordinárias qualidades pessoais de Feynman, que já foram reconhecidas pelos oficiais, cientistas e os demais nesta comunidade.

Desejando tudo de bom,

Robert Oppenheimer

RO:pd
CC ao Dr. Lawrence

Apesar da carta, Feynman foi trabalhar na Universidade de Cornell, com Hans Bethe. A transcrição da carta que usei como base para a tradução acima e a fac simile que mostro abaixo foram retiradas de Letters of Note - Correspondence deserving of a wider audience.


terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Um lugar

Há um lugar
Que, sendo colossal,
Tem dimensões ínfimas.
Um lugar fascinante
Que ninguém viu
E jamais verá.
A Luz resolveu visitar
E ficou por lá.
O Tempo, muito cético,
Quando viu, parou extático.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre minhas limitações

Não me oprime a imagem do Pálido Ponto Azul. Não me faz sentir pequeno... Em verdade, faz, mas não me importo: não desejo preencher o cosmos, não desejo estar no maior dos planetas, não desejo ser imenso. Estou bem com minha limitação no espaço.

Não me oprime a imagem da multidão. Cada pessoa da multidão que passa por mim, passa sem me ver, sem me notar. São inúmeras vidas que não conhecerei jamais. Aliás, uma quantidade considerável de pessoas nem quer me conhecer. E eu entendo e não me importo. Não desejo ter todos os olhares, não desejo tanta atenção, não desejo ser um líder carismático. Estou bem com minha limitação de empatia.

Não me oprime a imagem de um palácio suntuoso, onde eu nunca entrarei. Há muitos lugares no planeta que não conhecerei, muitos em que não tenho permissão para entrar. Eu não me importo: não me incomoda não ter acesso livre a todos os cantos. Estou bem com a minha limitação de poder.

Oprime-me alma a imagem de uma biblioteca, entretanto. Cada livro é uma provocação, um lembrete da finitude. Cada um deles me diz com desprezo: "Terás que escolher!". Não sei escolher, não posso. Não me oferecem nenhuma outra barreira além do tempo. Diferentemente da imagem do Universo, o livro tem dimensões compatíveis com a minha. Ao contrario das muitas pessoas que não são afeitas a novas amizades, o livro me dá sempre atenção. Também não oferece resistências de acesso: fala e cala ao meu comando, é obediente e companheiro. Excluídos todos os empecilhos que o restante das coisas do mundo oferece, a visão da limitação temporal é mais clara. Nada mais grita com tanta intensidade e com voz mais clara e limpa: "Você é efêmero!"

Os livros ficam ali, diante de mim, todos acessíveis e ao mesmo tempo impossíveis. De todas as minhas limitações, maltrata-me minha limitação no tempo. A imagem do fim se aproximando. A crueldade do livro é mostrar isso, me lembrar disso o tempo todo.

No meu leito de morte, se houver algum livro diante de mim, ele certamente se metarmofoseará num corvo maldito e preto a recitar:

Nevermore!

Nevermore!

Nevermore!

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Inércia

Iniciado qualquer movimento,
não havendo pelo seu meio
empecilho ou emperramento,
reza essa lei sem titubeio:
continuarás o teu movimento
indo reto em teu passeio
até que impeçam teu intento.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O amor egoísta e o altruísta

Ninguém é especial só por ser como é. Alguém só pode ser especialmente diferente se causa algo de especialmente diferente em mim.

Se te admiro, é porque quero eu ser como tu;

Se te ajudo, é porque quero eu mesmo livrar-me da imagem incômoda do teu sofrimento;

Se te acompanho, é porque quero eu tua companhia;

Se te ouço, é porque quero eu saber de ti;

O amor egoísta é tão duradouro quanto o ser que ama. Não é eterno mas preenche toda uma vida. É o mais próximo da eternidade que podemos chegar.

O amor altruísta é tão duradouro quanto a atenção que damos à cada jogador em um jogo de futebol, que parece ser o mais importante, mas ao perder a bola todos os outros subitamente ganham sua atenção. O que tem nossa atenção permanente é a bola.

O amor baseado em si mesmo é mais uniforme do que o baseado no outro: O amor altruísta é volúvel porque sempre há outros além do outro, e porque, se não considerarmos a interação com o eu, não há diferença entre um outro e outro. O altruísmo não pode fazer distinção, ele não vê distinção. Há muitos dos outros e um só de si.

O amor altruísta é para com a humanidade; entre duas pessoas só pode haver o amor egoísta!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Preâmbulo d'A Arte de Amar

A meio caminhar de minha vida
tive em mim o pensamento incutido
de instruir alguma alma perdida

que ainda não tenha conhecido
as ardilosas sutilezas do Amor;
ou que ainda não tenha aprendido

a arte de dominar o seu furor.
Seria falso dizer que foi Febo
o meu guia e verdadeiro tutor.

Quem me dita esta obra, mancebo,
é tão-somente minha experiência!
Ah! Mas eu desde já me apercebo

que ao leitor falta indulgência;
para perdoar tamanho sacrilégio
de tratar tal assunto como ciência,

dessas que se aprende no colégio,
quando é claro que isso não se faz:
não se ensina o sentimento régio!

Mas digo que o Amor, tão contumaz
quanto das crianças a mais mimada,
pode, por um pulso firme e eficaz,

ser domado pela alma preparada;
assim como a própria tempestade
respeita o piloto de mão treinada!

Cada vez que o Amor me invade,
ou me fere o peito com sua lança,
eu vejo como uma oportunidade

de bem preparar minha vingança!
E é por isso que ele me obedece:
pois eu conheço dele cada nuança.

Todavia, o poema que aqui se tece
não se trata desse Amor bandido,
mas somente aquele que enaltece.

Cantarei aqui só o Amor permitido
e não ensinarei nenhum ato infame,
nada que possa ser repreendido.

Meu desejo é que aprenda e ame!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Sobre os bons acontecimentos da vida

Engana-se quem pensa que os bons acontecimentos acontecem para gerar Felicidade! É tudo parte de um plano maquiavélico da Mãe Natureza.

A Natureza sabe que mais cedo ou mais tarde, a gente se acostuma com os mais terríveis acontecimentos e por isso criou os bons acontecimentos que acontecem apenas para evitar o quinto estágio de Kübler-Ross.

Com este fim, foi desenvolvido um mecanismo chamado Esperança. Por meio da Esperança, a Natureza consegue gerar as mais profundas dores. Ainda mais lancinates do que aquelas que as tragédias causam. Tão profundas são as feridas obtidas por meio do mecanismo da Esperança, que o mais provável seria que as pessoas desistissem da vida e buscassem a Paz Eterna no suicídio.... mas tão bem desenvolvido é o grande plano da Esperança que ela cria no infeliz a idéia de que ele deve continuar tentando; e o pobre infeliz se mantém na vida por mais tempo e assim sofre mais e mais, para alegria da Natureza que assiste a tudo com um prazer sádico!