segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Sobre minhas limitações

Não me oprime a imagem do Pálido Ponto Azul. Não me faz sentir pequeno... Em verdade, faz, mas não me importo: não desejo preencher o cosmos, não desejo estar no maior dos planetas, não desejo ser imenso. Estou bem com minha limitação no espaço.

Não me oprime a imagem da multidão. Cada pessoa da multidão que passa por mim, passa sem me ver, sem me notar. São inúmeras vidas que não conhecerei jamais. Aliás, uma quantidade considerável de pessoas nem quer me conhecer. E eu entendo e não me importo. Não desejo ter todos os olhares, não desejo tanta atenção, não desejo ser um líder carismático. Estou bem com minha limitação de empatia.

Não me oprime a imagem de um palácio suntuoso, onde eu nunca entrarei. Há muitos lugares no planeta que não conhecerei, muitos em que não tenho permissão para entrar. Eu não me importo: não me incomoda não ter acesso livre a todos os cantos. Estou bem com a minha limitação de poder.

Oprime-me alma a imagem de uma biblioteca, entretanto. Cada livro é uma provocação, um lembrete da finitude. Cada um deles me diz com desprezo: "Terás que escolher!". Não sei escolher, não posso. Não me oferecem nenhuma outra barreira além do tempo. Diferentemente da imagem do Universo, o livro tem dimensões compatíveis com a minha. Ao contrario das muitas pessoas que não são afeitas a novas amizades, o livro me dá sempre atenção. Também não oferece resistências de acesso: fala e cala ao meu comando, é obediente e companheiro. Excluídos todos os empecilhos que o restante das coisas do mundo oferece, a visão da limitação temporal é mais clara. Nada mais grita com tanta intensidade e com voz mais clara e limpa: "Você é efêmero!"

Os livros ficam ali, diante de mim, todos acessíveis e ao mesmo tempo impossíveis. De todas as minhas limitações, maltrata-me minha limitação no tempo. A imagem do fim se aproximando. A crueldade do livro é mostrar isso, me lembrar disso o tempo todo.

No meu leito de morte, se houver algum livro diante de mim, ele certamente se metarmofoseará num corvo maldito e preto a recitar:

Nevermore!

Nevermore!

Nevermore!

Um comentário:

Anônimo disse...

Os livros são o próprio labirinto de Borges. São constantes lembretes da finitude e do efêmero - sem barreiras de acessibilidade -, entrementes, também compreendem aquilo que é ,infinito e, de alguma forma, estamos participando.

O mais incompreensível no universo é que Ele é compreensível. Nas limitações do nosso espaço, percebemos e vivemos alguns desses trechos.

Como Borges, talvez o orgulho maior não seja os livros escritos, mas os lidos.