segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Ética relativística

Se houvesse apenas uma pessoa no Universo e esta tivesse oportunidade de realizar um único ato, não haveria nenhum sentido em qualificar este ato como bom ou mau.

São conceitos que somente fazem sentido em um contexto relativístico (quero dizer, somente se dizemos em relação a que nos referimos). Todos nós temos desejos. A realização de desejos parece ser um objetivo incutido em nós desde sempre. Este será nosso guia, nosso referencial.

Assim, suponha agora que esse (único) homem possa realizar mais atos. Chamamos de "boas ações" aquelas que permitem a este homem uma maximização na realização dos seus desejos. O desejo de bem-estar e sobrevivência qualificam como más condutas uso de drogas e o suicídio, por exemplo. (Estando bem de saúde e vivo, acreditamos que mais realizações serão possíveis a este homem).

Se mais gente há, o bom e o mau são definidos em relação aos desejos da sociedade, que por sua vez são definidos em relação aos desejos individuais dos componentes. O bem-estar da sociedade é um estado de colaboração mútua (pois este é o modo através do qual os indivíduos alcançam mais realizações e têm mais chances de realizar seus próprios desejos).

Usualmente, tomamos como preferencial o referencial da maioria... tanto que naturalmente supomos que há um sentido absoluto nisso, mas é apenas um referencial preferencial! Desejos individuais que implicam em um tolhimento dos desejos individuais de muitos outros indivíduos são qualificados como maus. As boas ações são aquelas que aumentam as possibilidades de realização de desejos para um grande número de outros indivíduos.

Obviamente, em alguns casos, as boas ações em relação à sociedade não são consideradas boas em relação ao indivíduo. Se um indivíduo contrai uma doença altamente contagiosa, o melhor para o grupo é isolá-lo. E isso é a procedimento considerado correto, ou bom, ainda que este isolamento privará o doente de muitas coisas, o que é uma má conduta no seu referencial.

Um problema aconteceria se exatamente a metade das pessoas ficassem doentes. O sentimento de compaixão resolve este dilema. A compaixão é a capacidade de se deliciar ao ver outra pessoa realizar seus próprios desejos. Por isso sentimos prazer nas histórias com final feliz. Assistir a uma peça de teatro é exercitar a nossa compaixão, nosso interesse nato nas realizações dos outros. Portanto, se todos nessa sociedade se compadecem entre si, os doentes concluirão que os sadios podem não ficar doentes, enquanto eles próprios já não serão sadios. Embora não tenham chances de obter melhoras pra si, o sentimento de compaixão os impele a crer que a boa ação neste caso é o isolamento.

O comportamento ético, portanto, seria um jogo de interesses, que pode ser resolvido sem a necessidade da criação de um Bem e um Mal para nos dizerem o que é bom e o que é mau. A natureza não é boa nem má. É apenas experiente, e conhecedora das consequências.

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P.S. O texto acima é influenciado pelo livro No Que Acredito, de Bertrand Russel. Não digo, entretanto, que apresento aqui uma síntese de suas idéias porque não sei se ele concordaria com o que escrevi, já que não cuidei em seguí-lo.

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